A apresentação na contracapa de Superdeuses, do roteirista escocês Grant Morrison (editora Seoman, R$ 59,90), diz que o livro explica por que os super-heróis “são importantes, por que sempre estarão entre nós, o que revela sobre quem somos e em que ainda podemos nos transformar”.
A descrição é correta, em parte. Mais precisamente, no que se refere às últimas páginas de um total de quase 500. Antes disso, Morrison fala especificamente da relação dos heróis de papel com uma pessoa: ele mesmo.
Mistura de análise das diferentes Eras dos quadrinhos (e suas obras seminais) com autobiografia, Superdeuses parte da gênese do mito do super-herói dos quadrinhos em Superman e chega aos dias de hoje, citando HQs recentes comoInvasão Secreta (de 2008).
Neste percurso, passa por obscuros heróis da Era de Ouro, pelo Iluminismo da Era de Prata, pela resposta da DC ao Comics Code na forma de histórias surreais, os heróis “humanos” do Universo Marvel nos anos 1960, o início da Era das Trevas e suas HQs sombrias, a Era Image, a fase atual, que Morrison chama de Renascimento.
O que diferencia Superdeuses de outros livros que já se prestaram a contar a história dos comics é que, à análise socioeconômica de cada época em que os quadrinhos foram publicados, Morrison adiciona uma visão da cultura pop: o que os jovens vestiam e ouviam, que drogas usavam, o que tocava nas pistas.
No meio desta trajetória, o roteirista introduz as principais passagens da própria vida, da infância num bairro operário ao sonho de fazer a diferença no mundo das artes. Sem nenhum pudor, fala da perda da virgindade, da adesão ao movimento punk, dos rituais xamânicos que praticava vestido de mulher, da experiência extrassensorial que experimentou num quarto de hotel em Katmandu.
Mais importante de tudo, ele prova que perseguiu obstinadamente o objetivo de trabalhar para a indústria de quadrinhos de super-heróis, e não só chegou lá, como também é considerado um dos mais importantes roteiristas de sua época. Morrison faz parte da chamada “invasão britânica”, grupo de escritores e artistas que passaram a trabalhar para a DC Comics na virada dos anos 1980–90 e inovaram a fórmula de fazer quadrinhos. O fruto mais conhecido deste período é a criação do selo Vertigo, de histórias adultas. Não é pouca coisa.
A maior crítica que a edição brasileira recebeu foi em relação à capa. Na tentativa de reproduzir o conceito da original – a chegada de Superman à Terra – a arte nacional erra feio. A Seoman confirmou a este blog que a capa será refeita para a segunda edição do livro.
Se erra na capa, a editora acerta enormemente na tradução. Morrison tem uma escrita fluida, cativante, mas um estilo difícil, de longos períodos desconexos, cheios de digressões e neologismos. Érico Assis, do site de cultura pop Omelete – e que já traduziu quadrinhos de Craig Thompson e Daniel Clowes, entre outros – conseguiu transpor o turbilhão de ideias e conceitos para o Português, e ainda preservar o estilo do autor.
Superdeuses é leitura obrigatória, mas quase que exclusiva para os iniciados em quadrinhos de super-heróis. O livro exige certa familiaridade com nomes de autores e obras para se tirar o melhor proveito. Se o leitor deste blog faz parte deste grupo, o livro vale o investimento.