Passam-se os anos e nossa vetusta imprensa não altera sua forma de cobrir protestos sociais, greves e qualquer manifestação cujo conteúdo vá de encontro ao modo como os barões midiáticos pensam o Brasil.
Um bom exemplo podemos conferir esta semana, com as reportagens sobre as paralisações em São Paulo. Em nenhum momento houve um debate mais aprofundado sobre a (péssima) situação do transporte público nas grandes capitais do país. Mas eu entendo as razões dos nossos jornalistas. Como podemos exgir do sabujo que ele morda a mão daquele que o alimenta?
Segue um belo texto de Rodrigo Vianna sobre o tema:
"Manifestante" na França, "Vândalo" no Brasil: é o conservadorismo matreiro.
por Rodrigo Vianna
Durante essa semana, ouvi os maiores absurdos sobre a greve dos metroviários e ferroviários de São Paulo. Claro que ninguém gosta de chegar à estação e encontrar os trens parados. Claro que o bom jornalismo precisa mostrar as dificuldades que uma greve desse tipo gera para os cidadãos. Tudo isso está ok.
Mas o grau de conservadorismo embutido nas coberturas da chamda grande mídia é algo assustador. Já não sei se a cobertura reflete o conservadorismo de certo público, ou se é o contrário. Na internet, li comentários absurdos: “a culpa é do molusco de nove dedos”, ou “sindicalista pra mim devia morrer”. Essas pessoas existem, não são ficção. Nas ruas, também ouvi coisas parecidas, mas sem a mesma agressividade que a internet costuma estimular…
Quase não se discutiu – na cobertura midiática – a situação lamentável dos transportes na maior metrópole sul-americana. Uma greve como essa não seria gancho para um debate sério? Seria… Mas é esperar demais desse jornalismo trôpego…
Em parte, a cobertura midiática que criminaliza sindicalistas e grevistas (aliás, vale ressaltar que os sindicatos que comandaram a greve em São Paulo não são cutistas, não tem ligação com Lula nem o PT, por isso esse discurso de culpar “petistas” é, além de tudo, obtuso) alimenta-se de um conservadorismo tosco, que costuma enxergar ”conflito” como “desordem”. Conflito não é visto como sintoma de que algo não vai bem. Conflito não é visto como um momento de inovação criativa. Conflito é baderna. Greve é baderna.
Mas há um outro conservadorismo, mais sofisticado, a alimentar essas coberturas. E o cartaz que reproduzo acima reflete exatamente isso. Qualquer cidadão medianamente informado sabe que a História da Humanidade se fez – e ainda se faz- a partir das contradições e dos interesses conflitantes. O moderno Estado liberal, por exemplo, é filho de uma Revolução sangrenta, ocorrida na França, em 1789. Nossa imprensa, duzentos anos atrasada, talves visse Danton e Robespierre como “baderneiros” e “vândalos”…
Claro, não quero comparar grevista de transporte em São Paulo com jacobino francês… Mas não é preciso ir tão longe…
O jornalismo conservador trata manifestantes franceses por esse nome: “manifestantes”. É só no Brasil que manifestante vira “vândalo”. Conservadorismo matreiro, que por vezes se traveste de “moderno”, se recicla, mas está sempre lá – a frear as mudanças, transformando qualquer ameaça de rompimento em reforma tênue e limitada, evitando os “arroubos”, os “exageros”, os “radicalismos”.
Dia desses, o Igor Felippe escreveu aqui um belo artigo, lembrando exatamente essa tradição brasileira – tão bem estudada por Florestan Fernandes: a cooptação que esvazia conflitos, que finge dissolver as diferenças.
Ontem mesmo, assistia eu a uma sessão da CPI do Trabalho Escravo, pela TV, quando vi dois deputados ruralistas esbravejando contra os “exageros” embutidos nessa campanha pela erradicação do trabalho escravo no Brasil. “Veja, agora querem que toda fazenda tenha pelo menos um banheiro pra 40 pessoas! Se isso for trabalho escravo, aqui na Câmara mesmo somos escravos, falta banheiro pros deputados”.
É uma cara de pau sem fim. E o sujeito (deputado do PMDB-SC) dizia isso ressaltando que “respeita muito” o Ivan Valente (PSOL-SP) – deputado que cobrava mais ações contra o trabalho escravo. Respeita, mas acha que é preciso encontrar um “equilíbrio”. Equilibrio entre escravo e dono do escravo? Esse é o Brasilsão de meu Deus…
Quem tem o desplante de não se ajeitar na grande conciliação, é tratado como “vândalo”, “radical”. E expelido, feito um caroço de jabuticaba.
É um tipo de mentalidade fortíssima na sociedade brasileira, e que tem defensores de alto a baixo. Conservadorismo matreiro. Eu poderia escrever muito mais , mas nem precisa: o cartaz lá em cima já diz tudo.
Nota: recebi a imagem reproduzida acima pelo facebook; já não lembro mais quem mandou, peço desculpas por não citar o autor da didática montagem. Se ele aparecer por aqui, darei o devido crédito…
Manifestação de franceses é coisa chique, como já diziam nossos contemporâneos universitários da Insurgência. Já protesto de brasileiro é baderna. Bando de desocupados. E é incrível como o Brasil constitui um campo fértil para o fascismo. Basta fazer uma pesquisa boca a boca pela rua e ver o que o povo vai dizer.
ResponderExcluirTambém me entristece como o pessoal ainda acredita na mídia. Muita gente por aí não sabe, por exemplo, que a Veja está sendo investigada por CPI. Acreditam que a CPI é sobre o PT. Ou coisa que valha...
Ah, a turma da insurgência, que fodeu o centro acadêmico com fotos de maio de 68, com o discurso "aquilo é que foi legal", ou chique...intelectuais e "intelectuais" irmanados na luta contra a opressão: isso é chique! Rebelião não é para qualquer um: queimar busão ou destruir vagão no Brasil é bagunça de esquerdistas (é o que dá não termos quartier latin).
ResponderExcluirConcordo com o camarada Francis: o Brasil é campo fértil para o fascismo! E nossa mídia (de)formadora de opinião contribui muito para isso: promove destruição de reputação, linchamento, e outras barbaridades o tempo todo. Acho que, depois do que a veja tem feito, preconceito e discurso fascistas qgora não são realizados de forma velada. Explicita-se ideias de fasci, com apoio de milhares de anônimos fascistinhas a replicar e bloguear.
Acho que podemos definir da aseguinte forma: diga-me como escreves e descreves, que te direi quem és e quem defendes.