Gosto bastante do http://blogdosquadrinhos.blog.uol.com.br, do professor Paulo Ramos. Sempre bastante atento `as novas tendências da nona arte e despido de preconceitos, ele escreveu um belo post sobre as mudanças que ocorreram em relação `a forma como as hq's são vistas no contexto cutural em geral. Achei certeira sua análise sobre o papel que as lojas de quadrinhos desempenharam no tocante `a forma como os aficionados se relacionam com os quadrinhos. Enfim, um texto que vale a pena ser lido, principalmente porque diz respeito ao modo como começamos a nos relacioar com os gibis e a cultivar amizades.
De geek a arte. E de arte, de novo, a geek
"Algumas vezes, você quer ir num lugar onde todos conheçam seu nome. E onde todos ficam felizes quando você aparece por lá."
As duas frases acima são uma tradução livre da canção de abertura do popular seriado "Cheers", estrelado por Ted Danson e exibido nos Estados Unidos entre 1982-1993.
A música procurava ambientar o clima da série. As cenas se passavam num bar, local onde protagonistas e coadjuvantes interagiam e se tratavam como uma família.
Um lugar, enfim, onde se sentiam acolhidos e incluídos. Algo como ocorre lá e cá com as lojas de quadrinhos, conhecidas como "comic shops".
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As lojas especializadas em quadrinhos costumam ser como o bar de "Cheers": um espaço onde o comprador encontra iguais, outros que apreciam as revistas/álbuns como ele.
É uma história muito bem contado por Matthew J. Pustz no livro "Comic Book Culture - Fanboys and True Believers" e cujas ideias resgato aqui nestas linhas.
Na leitura de Pustz, esse modelo de vendas começou a ser desenhado nos Estados Unidos nos anos 1980 e ganhou corpo nas décadas seguintes.
Na prática, serviu para criar não só uma cultura em torno dos quadrinhos, mas também um lócus, um ponto de reunião de admiradores do tema.
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O trabalho de Pustz indica aí a gênese da associação do rótulo "nerd" também a fãs de histórias em quadrinhos, em particular as de super-heróis.
Termo que outra série de TV norte-americana, "The Big Bang Theory", soube trabalhar muito bem e dar ele um ar "pop" - o seriado é baseado em quatro amigos "nerds".
O livro Pustz, se lido criticamente, sugere também um pressuposto: se nas "comic shops" os leitores encontram um lugar comum e familiar, fora dela tinham um gosto marginal.
Marginal no sentido de estar à margem, fora do convencional. E, também por isso, fora do que o sistema cultural socialmente convencionou chamar de arte.
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De tão certo, esse modelo de vendas foi exportado para a América Latina na década de 1990.
Chegou com muita força na Argentina, a ponto de as "historietas" de lá serem rebatizadas de "comics". As lojas de quadrinhos do país, registre-se, chamam-se "comiquerías".
No Brasil, as lojas da editora Devir e da Comix, ambas em São Paulo, foram dois dos primeiros casos semelhantes. Com sucesso. Ambas se mantêm abertas até hoje.
Não por acaso serão usadas pela editora Panini, a partir do mês que vem, para vender algumas das revistas de heróis da DC Comics a um público segmentado.
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As lojas de quadrinhos brasileiras mantiveram o mesmo espírito das estadunidenses. Quem costuma frequentar é quem de fato gosta de histórias em quadrinhos. Um nicho próprio.
Elas e os leitores viram nos últimos dez, quinze anos, as revistas em quadrinhos dividirem espaço com o formato livro. E este ganhar corpo e penetrar nas prateleiras das livrarias.
De 2006 a 2008, três das principais redes de livrarias do país estimaram um crescimento anual de 30% no volume de quadrinhos com esse molde vendidos por elas.
É de supor que esse número tenha aumentado desde então, a se pautar pelo generoso espaço que as grandes redes têm dedicado ao setor.
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Uma das redes incluídas no levantamento foi a Livraria Cultura. Possui hoje 13 unidades no país, em diferentes capitais, quatro delas na cidade onde começou, São Paulo.
O marco foi uma livraria mantida no Conjunto Nacional, galeria estrategicamente posicionada entre as avenidas Paulista e Augusto, no coração comercial paulistano.
Na última década, a loja tem feito expansões quase anuais. O espaço da frente foi comprado e hoje abriga os três andares da livraria. O cinema ao lado também.
Ainda na galeria, outros pontos ao redor foram incorporados. A antiga loja ganhou novo verniz e funciona ainda hoje como loja de arte. É onde ficavam os quadrinhos.
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No fim de abril, os quadrinhos foram realocados para o segundo andar de uma das lojas da galeria, antes dedicada à editora Record.
O nome do novo espaço é uma aposta da livraria num segmento que, aparentemente, não atingia até então: o dos apreciadores de quadrinhos e games.
Batizada de Geek.Etc.Br., a loja procura dialogar justamente com os "nerds" - sem nenhum sentido pejorativo à expressão. No andar de baixo, games à exaustão.
No canto, um Batman enorme, do tamanho de uma pessoa adulta. A minúscula escadinha que separa os dois pisos leva ao acervo de álbuns em quadrinhos, nacionais e importados.
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Lendo as declarações de quem coordena o projeto, a proposta é a de abrir outras unidades. Uma franquia, portanto. Uma espécie de novo selo da livraria.
Como negócio, a ideia pode ser interessante, principalmente para capitais que não tenham lojas especializadas em quadrinhos.
Mas, do ponto de vista da difusão das histórias em quadrinhos no Brasil, a iniciativa sinaliza para um retrocesso.
Ela vai na contramão do que o meio editorial construiu nos últimos anos. Em vez de agregar mais leitores, volta-se ao modelo do nicho exclusivo de mercado.
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Ter quadrinhos numa loja de arte ou no espaço dedicado aos livros fazia com que tais publicações chegassem a um outro perfil de leitor, mais inclinado à literatura e à pesquisa.
Até então, como já comentado, os quadrinhos eram restritos às bancas ("coisa de criança") ou às lojas especializadas ("coisa de poucos", de "gueto").
Foi esse mercado que algumas editoras souberam enxergam. Um caso é o da Companhia das Letras, que criou um selo próprio, o Quadrinhos na Cia.
É a mesma Companhia das Letras que mantém loja vinculada à Livraria Cultura, localizada ironicamente em frente à Geeks.Etc.Br, no mesmo Conjunto Nacional, em São Paulo.
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As demais lojas da Livraria Cultura, justo registrar, ainda conservam um espaço dedicado aos quadrinhos. E ainda dialogam com o leitor eventual dessas obras.
As lojas do Conjunto Nacional, no entanto, deram alguns vários passos atrás com a nova estratégia comercial. Do ponto de vista dos quadrinhos, não custa dizer mais uma vez.
Uma saída seria manter dois acervos, um na loja de arte, outro no novo ponto de vendas. Atingem-se, assim, dois perfis de compradores: os habituais e os esporádicos.
Do contrário, a rede volta a enxergar quadrinhos apenas como gueto, como nicho de mercado. E vai no sentido contrário do que ela mesma ajudou a construir no Brasil.
Cara, interessante como a cultura das comic book stores não pegou ainda no Brasil. Já houve diversas tentativas. Me lembro, em Pelotas, que tinha a Aurora, loja de RPG, Magic e afins. Era aquele típico lugar insalubre cheio de gordos espinhentos. Em PoA deve haver coisa parecida, mas o que ganha maior destaque são as lojas de action figures em shoppings, que vendem bonequinhos de qualidade duvidosa a preços astronômicos, e as grandes livrarias (também de shoppings) que têm um setor (nunca muito grande) dedicado a quadrinhos e tal.
ResponderExcluirAno passado estive em Itacca, NY, visitando o meu amigo Licurgo, e, que, nas palavras dele, era uma cidade de interior comparável a Canguçu. Bom, lá eu encontrei DUAS lojas de comics de primeira linha, inclusive com gibis das Eras de Ouro e de Prata.
Numa delas comprei bonequinhos do Homem Aranha, Homer Simpson (com a roupa de maçom) e da Elektra - de ótima qualidade e por um precinho tipo 10 dólares todos juntos. Aqui certamente não pagaria menos de R$ 50,00 por cada boneco.